quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Um olhar sobre o “caso do austríaco Fritzl” a luz da teoria freudiana

Trabalho apresentado à disciplina “Freud como teórico da modernidade bloqueada”, ministrada na modalidade EAD em setembro de 2010 pelo professor Dr. Vladimir Safatle.

Aluna: Daiana Stursa

Link para o trabalho: http://www.4shared.com/document/lfM0X5Dw/Trabalho_CasoFritzl1.html



O ANTI-SEMITISMO, A CONVICÇÃO TEÓRICA RELIGIOSA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS

O ANTI-SEMITISMO, A CONVICÇÃO TEÓRICA RELIGIOSA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS


Francisco Sepe da Costa





RESUMO



O anti-semitismo está vinculado à convicção religiosa do povo judeu implicando situações antagonistas no ambiente social, político e econômico.



PALVRAS-CHAVE

Anti-semitismo, convicção religiosa, procrastinação



INTRODUÇÃO

O tratamento que o mundo dá ao anti-semitismo expõe a imobilidade da sociedade mundial em solucionar qualquer tipo de segregação. Imobilidade que gera conflitos e oportunidade de atuação de inescrupulosos.



DESENVOLVIMENTO



O anti-semitismo foi escolhido por ser um fator social, que vem desde a antiguidade, quando o povo judeu, recebendo os ensinamentos de Moises, ficaram convictos religiosamente da sua eleição por Deus com o conseqüente aparecimento de um sentimento exaltado de superioridade a outros povos, relacionado ainda com seus ritos particulares, como a circuncisão e a terra prometida, fatores de geração de conflitos político, social e econômico até os dias atuais.



A convicção religiosa dos judeus é uma teoria que não pode ser confirmada, porém é internalizada como convicção devido ao bem estar deste sentimento exaltado por ser um povo escolhido e o prazer de imaginar que terão uma terra prometida por Deus a Abraão. Convicção religiosa, que talvez seja o sentimento oceânico, refutado por Freud, expresso por seu amigo no texto o mal-estar na civilização .



Posso imaginar que o sentimento oceânico se tenha vinculado à religião posteriormente. A “unidade com o universo”, que constitui seu conteúdo ideacional, soa como uma primeira tentativa de consolação religiosa, como se configurasse uma outra maneira de rejeitar o perigo que o ego reconhece a ameaçá-lo a partir do mundo externo. Permitam admitir mais uma vez que para mim é muito difícil trabalhar com essas quantidades quase intangíveis .



Como disse o professor Vladimir, no que diz respeito à análise do político, esta perspectiva freudiana nos exige deslocarmos o foco da análise, das regras que pretensamente estruturam a vida social às fantasias que realmente sustentam tais regras. Isto talvez nos explique porque temos tanta dificuldade em explicar como, no interior de nossas sociedades democráticas liberais, encontramos a recorrência contínua de figuras de autoridade e liderança que parecem se alimentar de fantasias arcaicas de segurança, proteção e de medo (a lista atual é longa e passa pela instrumentalização política da islamofobia, do anti-semitismo e do medo do terrorismo) .



A sensação de proteção e segurança desta convicção religiosa do povo judeu, ainda que teórica, provoca ações reações sociais, políticas, econômicas, nacionais, além da religiosa, no povo judeu e nos outros povos que interagem com ele de maneira direta ou indireta, promovendo uma ambivalência de amar e odiar os judeus. No ódio há a hostilidade aos judeus que é o anti-semitismo.



A principal característica da constelação psicológica que dessa forma se torna fixa é algo que poderia ser descrito como a atitude ambivalente do sujeito para com um objeto determinado, ou melhor, para com um ato em conexão com esse objeto. Ele deseja constantemente realizar esse ato (o tocar) e também o detesta .



Nesta convicção religiosa os judeus se isolaram nas suas convicções e adquiriram a antipatia gratuita de outros povos. Outros povos que a exemplo dos mulçumanos têm a mesma convicção teórica religiosa, descendendo do elo comum chamado Abraão, cuja descendência, Ismael e Isaque, figuras que viveram na antiga região da Palestina, deram origem aos povos distintos, judeus e árabes.



Convictos religiosamente: os judeus com Jeová e os árabes com Alá.



Após Abraão, Moises estabelece a religião monoteísta, o ritual da circuncisão, a proibição de fazer imagem de Jeová, tudo isto, inserido na certeza de ser o povo escolhido por Deus e a segurança de habitar na terra prometida por Deus a Abraão, cria uma convicção religiosa de maneira teórica que leva o povo a uma auto estima muito elevada, e um sentimento superior a outros povos, no encantamento de serem o povo escolhido.



Esta convicção cria um fato social não só para os judeus, bem como para os outros povos em sua convivência com os judeus, quer sejam vizinhos, quer como inseridos na sociedade de outros povos como estrangeiros.



Este fato social remota a antiguidade dos tempos bíblicos, nas guerras, pela conquista da terra prometida por Deus a Abraão; empreendidas principalmente pelo rei Davi, passa pela era medieval, na relação com as instituições religiosas, no século XX pelo sistema nazista e no século XXI, como escudeiro dos Estados Unidos da América no Oriente Médio, desde a implantação do estado de Israel, na região da palestina, por uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.



O estabelecimento de Israel no lugar, que estão convictos que é a terra prometida por Deus a Abraão, implicou em insatisfação dos povos que também ocupavam a chamada Palestina, evidenciando o anti-semitismo.



Esse fato se torna especialmente claro quanto o Destino é encarado segundo o sentido estritamente religioso de nada mais ser do que uma expressão da Vontade Divina. O povo de Israel acreditava ser o filho de Deus e, quando o grande Pai fez com que infortúnios cada vez maiores desabassem sobre seu povo, jamais a crença em Seu relacionamento com eles se abalou, nem o Seu poder ou justiça foi posto em dúvida. Pelo contrario, foi então que surgiram os profetas, que apontaram a pecaminosidade desse povo, e, de seu sentimento de culpa, criaram-se os mandamentos superestritos de sua religião sacerdotal .



Todavia, este estabelecimento tem permitido a conversação entre os moradores desta região, o Oriente Médio, em busca de paz e talvez a diminuição do sentimento anti-semitismo ou outro sentimento de hostilidade.



O estabelecimento do povo judeu na antiga Palestina, banhada pelo mar Mediterrâneo, foi realizada por muitas lutas e guerras aos povos que já estavam ocupando o local, mas a sua convicção religiosa o levava a agir com a certeza de estar fazendo a coisa correta.



O retorno dos judeus em 1948 relembra a chegada dos judeus a palestina na época mosaica também com guerras e expulsões dos povos que ali habitavam. Vencidos os povos, o sistema sócio-político passou de juizes para o reinado, elegendo o primeiro rei chamado Saul.



Israel era o nome do filho de Isaque, filho de Abraão, que se chamava Jacó. O nome de Jacó foi mudado para Israel quando numa visão na qual Jacó lutava com um anjo e este mudou o seu nome para Israel, numa escada que subia ao céu, segundo o relato bíblico.



No reinado de Davi, Israel conquistou toda a terra limitada pela promessa da terra prometida por Deus a Abraão. Seu filho Salomão, por falta de governabilidade política, permitiu a divisão de Israel em dois reinos, norte e sul, porém, promoveu um grande desenvolvimento social e econômico, tendo como referencial, o templo de Salomão. Com a construção do templo de Salomão foi possível concretizar a convicção religiosa do povo judeu nos seus ritos, cultos, festas e cerimônias mosaicas.



Os judeus mantêm ainda hoje toda esta tradição, porém numa forma diferenciada de comemorar, pois não existe mais o templo construído por Salomão, somente as ruínas das muralhas do templo como testemunhas deste período suntuoso do reinado de Salomão e que mantém aceso o ideal de reconstruí-lo no mesmo local primitivo, principalmente por parte dos judeus ortodoxos.



Do reinado de Salomão, com o enfraquecimento devido à divisão em dois reinos, Israel foi invadido pelos babilônicos os quais destruíram o símbolo da convicção religiosa, o templo de Salomão, promovendo assim a diáspora, que é a fuga dos judeus para diversos lugares do mundo, mantendo a sua convicção religiosa por longos anos e o propósito de retornar a terra prometida.



Os judeus estabeleceram o hebraico, como língua oficial de Israel, para poderem ler as ordenanças mosaicas no texto original despertados por esta convicção religiosa e sua tradição.



A análise do anti-semitismo, neste ambiente teórico, objetivando levantar hipóteses, proporá a seguinte metáfora, elaborada por mim: Que todos nascem pedra com quinas. O bebê pedra, por instinto, nasce rolando, e rolando, aparará as arestas das quinas. Então, este instinto de rolar, que traz prazer e dor ao mesmo tempo, será uma atividade, também, das pedras adultas, até atingir a forma redonda. Assim, mantendo a cultura do rolamento iniciada no primeiro bebê pedra.



O prazer seria por rolar e ficar livres das quinas e, a dor seria, pela retirada das arestas das quinas, ao rolar. No rolamento, a pedra seria aplanada e arredondada. O rolamento acontecerá em terrenos diferentes, áspero ou liso, ondulado ou plano.



Assim, alguma pedra, devido ao tipo do terreno em que nasceu e ao tempo de rolamento, ficaria achatada, outra, conforme a sua “sorte” ou “destino” e o tipo de terreno e ao tempo de rolamento, ficaria arredondada.



O ficar com menos quinas e mais redonda é o ideal a ser perseguido, e será, o que determinará a relação social entre as pedras. Quanto mais redonda, maior a liderança e a interação social. Com a forma totalmente redonda, as pedras poderiam rolar livremente, agora sem dor, só com o prazer de rolar, se isto for possível.



Freud agia como quem acredita que a integralidade dos processos de interação social sempre se reporta a um princípio único e soberano de poder .



Algumas pedras não rolariam, com receio do tipo de terreno, apesar do seu instinto instigá-las a rolar, nas permanecem inativas, oprimidas, inibidas e desencantadas, podendo haver outros tipos de receios.



Dessa metáfora, talvez, desenvolver-se-ia uma teoria psicanalítica.



E pensando assim, há muito a considerar nessa teoria psicanalítica, tais como, os tipos de pedras com sua dureza, tenacidade e formação geológica; e as características dos terrenos: úmidos, secos, planície, planaltos, vales, rios, mares, pelos quais, as pedras rolariam.



Talvez seja interessante fazer uma análise do comportamento das pedras no rolamento e durante as perdas das quinas e arestas em relação às variações do tempo e espaço.



A análise do comportamento das pedras no rolamento e durante as perdas das quinas e arestas em relação às variações do tempo e espaço será feita considerando a pedra como o anti-semitismo, assim como poderíamos considerar qualquer atitude de hostilidade a qualquer etnia, crença, cultura ou minoria.



Dessa forma, a análise passa pelo o tratamento que é dado não só ao anti-semitismo, mas também a outros tipos de atitude que queira segregar uma minoria.



O tempo e o espaço, com suas variações, permitem aferir, quando as arestas e quinas são aparadas. Nessa perspectiva, o tempo, com a seu passar e “paciência”, é capaz de promover mudanças sociais inimagináveis, e o espaço, com seus acontecimentos, é capaz de moldar em relação à outra, a mais rígida convicção.



O terreno onde a pedra vai rolar seria o mundo moderno e globalizado.



As quinas e arestas, que se aventavam para justificar a hostilidade, eram na idade média, a religiosa e na época do nazismo no século XX, uma pretensa doutrina científica, todas aparadas nas alterações sociais no tempo e no espaço.



Talvez, por hipótese, seja interessante neste rolamento, verificar as quinas e arestas das pedras do interesse econômico, político e social da relação dos judeus e palestinos no Oriente Médio.



Possivelmente, outras hipóteses, a pedra burca francesa como também as pedras africanas que, talvez hesitem em rolar, não com receio do tipo terreno de rolamento, mas por não terem nem mesmo o terreno onde rolarem pela falta de interesse que possibilite que estas pedras se arredondem.



Em todas estas hipóteses, o ponto comum é a procrastinação. A procrastinação crônica pode ser um sinal de alguma desordem psicológica ou fisiológica .



Penso que pode ser o sintoma do terreno considerado nesta metáfora.



Talvez, após o rolamento, agora, redondas, as pedras estejam mais livres para rolar, objetivando uma melhor socialização, perscrutando qual o limiar das convivências pacificas e do bem estar social.



Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, o lema das pedras será: “rolar é preciso, durar não é preciso”.



CONCLUSÃO



Qualquer tipo de segregação é inadmissível. Aquele que segrega e os que são segregados devem promover soluções no campo social, político e econômico perscrutando qual o limiar das convivências pacíficas e do bem estar social.



REFERÊNCIAS



SAFATLE, Vladimir. Freud como teórico da modernização bloqueada. 2010.



_______________. A psicologia das massas: regras e fantasias. 2010.



FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e a análise do eu. 1921.



______________. O mal-estar na civilização. 1929.



______________. Totem e tabu. 1913.



A Bíblia.





















terça-feira, 2 de novembro de 2010

A SOCIEDADE BRASILEIRA E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2010: UM DEBATE POLÍTICO-RACIONAL OU UM DEBATE MORAL-TEOLÓGICO?

MÓDULO: FREUD COMO TEÓRICO DA MODERNIDADE


PROFº. VLADIMIR SAFATLE

NOME: ALESSANDRO DA SILVA GUIMARÃES


INTRODUÇÃO


De acordo com dados e pesquisas estatísticas, o número de evangélicos vem crescendo de forma acelerada e extraordinária no Brasil, confirmando algumas hipóteses que alguns cientistas sociais que estudam o fenômeno da religião já haviam elaborado há duas décadas. O que os dados estatísticos do IBGE não conseguem revelar, todavia, acaba se evidenciando nas pesquisas sociológicas e antropológicas, que são os reflexos desse processo de conversão religiosa na transformação das condutas e dos modos de ser dos fiéis. E essa mudança envolve toda forma de relação dessas pessoas com a sociedade, com a cultura e com a própria política. Grande prova disso foi o processo de eleição presidencial que estamos vivendo e que desvelou toda marca religiosa sempre tão presente no imaginário coletivo do brasileiro e que agora ganha uma nova roupagem, articulando-se explicitamente com aquela instância que deveria a priori ser um espaço laico: o estado democrático racional moderno.

Como nos coloca o professor Vladimir Safatler, o éthos é um modo de ser que nos remete a uma ética. Trata-se da incorporação de determinados princípios éticos, produzidos por meio de dinâmicas sócio-culturais, que, por conseguinte, irão produzir ações e atitudes que repercutirão nas relações entre as pessoas e destas para com o mundo, tal como demonstrou Weber em sua famosa obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. Como a ética aqui está diretamente ligada à cultura e a sociedade podemos pensar que seu espaço pretensamente racional não está desconexo de toda uma cadeia de desejos e representações sociais e coletivas que dão movimento as relações que criamos e recriamos em nossa existência social. Desse modo, os comportamentos e valores que se desenharam nesse processo eleitoral estão estreitamente ligados as novas semânticas vivenciais que estão ligadas a forças religiosas que são um dos fundamentos desses novos princípios éticos – que nem são tão novos assim – que estão reconfigurando o jogo político.

Dentre as cenas que chamam a atenção nessa eleição para presidente podemos destacar: a) a força das igrejas e grupos religiosos na definição dos votos de seus fiéis; b) a consciência dos candidatos desse processo, acompanhado do posterior uso político dessas forças por parte dos candidatos através de alianças e debates morais. Polêmicas como o aborto e a união entre pessoas do mesmo sexo passaram a canalizar todo o debate, acompanhado de denúncias e uso político e eleitoreiro de questões morais que ainda encontram resistência em uma sociedade que ainda traz marcas patriarcais e conservadoras como a sociedade brasileira.

DESENVOLVIMENTO

Ao negarem os princípios laicos e racionais que fundamentaram o Estado racional moderno, produzindo assim um comportamento diferenciado em relação padrão de escolha racional, não estaria o comportamento dessas pessoas apontando para um modo de ser e sentir que está enraizado em nossa cultura e que, portanto, motiva nossas ações e modos de pensar que balizam desde nossas ações mais íntimas até mesmo as decisões da res pública? Essa forma de política aqui, portanto, parece estar apontando para uma prática muito mais comum do que se imagina. Como aponta o professor Vladimir Safatler devemos pensar de que maneira o indivíduo cria disposições de comportamentos e modos de conduta que são internalizações das próprias exigências sociais. Desse modo, como ele desenvolve essas condutas? Que exigências sociais estão por detrás desses posicionamentos? Como uma teoria social Freudiana pode nos apontar que sentimentos tão subjetivos tem relações diretas com nossa constituição como sujeitos sociais e culturais?
Para o professor Vladimir a solidez dos laços sociais se dá a partir daquilo que o próprio Lacan denominou de reconhecimento. Eu entro no jogo social em busca desse reconhecimento – me fazer reconhecer em meus projetos, minhas realizações, minhas fantasias e desejos. Nesse sentido, a base da vida social estaria alicerçada no reconhecimento do próprio desejo do sujeito – desejo de ser e ser reconhecido como tal. Nesse processo um dos mecanismos de ligação entre pessoas e grupos se dá a partir do que Freud chama de identificação. Como Freud coloca em psicologia das massas “a identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa. Ela desempenha um papel na história primitiva do complexo de Édipo” (PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU, página 41). Ao falar da relação entre a política fascista e o processo de identificação, Adorno nos faz ver que “o mecanismo que transforma a libido na ligação entre líder e seguidores, e entre os próprios seguidores é o da identificação” (ADORNO, página 09).

Por tudo isso, afirmamos que podemos pensar que, no caso das eleições brasileiras, o debate político se focou em questões morais (como o aborto) e teológicas (os candidatos são cristãos de fato? Acreditam na existência de Deus? – não o Deus imanente de Hegel ou Spinoza, mas o Deus transcendente encarnado na representação judaico-cristã que formou boa parte dos padrões morais do mundo ocidental) pelo fato de os candidatos buscarem, a qualquer preço, criar um laço de identificação para com seus possíveis eleitores. Desse modo fica claro que as escolhas políticas, nessa conjuntura instaurada, está alicerçada por um processo afetivo que liga minha fé mais íntima aos pressupostos da própria ação política. Ao explicar a gênese do processo de identificação Freud nos apresenta três fontes que resumem tal processo e que assim podem ser explicadas: “primeiro, a identificação constitui a forma original de laço emocional com um objeto; segundo, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio de introjeção do objeto no ego; e terceiro, pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto de instinto sexual” (PSICOLOGIA DAS MASSAS, página 45). As imagens que repercutiram nos grandes meios de comunicação de massa da candidata Dilma Rousseff freqüentando missas e do candidato José Serra beijando um terço em meio a uma multidão, além dos inúmeros encontros de ambos os candidatos com grupos de evangélicos para discutirem propostas de campanha, mostram claramente a busca por essa identificação tão própria que é constituída nos meios religiosos. Destaque aqui também para a candidata Marina Silva, grande revelação do primeiro turno das eleições e que era uma candidata evangélica praticante pertencente ao grupo pentecostal. Ficou claro o processo de identificação que ela conseguiu dos eleitores evangélicos, tanto é que na busca por esses eleitores, já no segundo turno, os dois outros candidatos lançam mão de construir uma imagem cada vez mais ligada aos princípios cristãos, mesmo que isso possa ser interpretado como uma mera teatralização.

Como dirá Freud “todo cristão ama Cristo como seu ideal e sente-se unido a todos os outros cristãos pelo vínculo da identificação. Mas a igreja exige mais dele. Tem de identificar-se com Cristo e amar todos os outros cristãos como cristo os amou” (PSICOLOGIA DAS MASSAS, página). Nesse aspecto, o próprio Freud afirma que o novo desenvolvimento na distribuição libidinal presente no grupo “constitui provavelmente o fator sobre o qual o cristianismo baseia sua alegação de haver atingido um nível ético mais elevado” (PSICOLOGIA DAS MASSAS, página 76). Tendo em vista a função libidinal que se reveste a própria noção de autoridade, para que esse reconhecimento de autoridade – baseada em princípios “é ticos superiores” – tivesse um reconhecimento de fato numa sociedade mais fortemente religiosa, vendo na mesma uma busca para seus problemas, esse mesmo reconhecimento partira, em um movimento eminentemente social, para os desejos e fantasias ligados a fé mais íntima de seus eleitores, fazendo-se valer dessa força religiosa que está impregnada no inconsciente da maior parte dos brasileiros como já foi mostrado por inúmeros estudos sociológicos. Deveríamos buscar assim uma gênese dessa força que nos arrasta?

Poderíamos afirmar, talvez, que, em uma sociedade escravocrata e baseada nos princípios da desigualdade, a religião poderia ter tanto uma função ideológica quanto uma função protetora, entendo proteção aqui no sentido de buscar segurança em algo, seja esse algo mesmo uma mera fantasia ou desejo de transcendência. Freud já nos dizia que “A quantidade de proteção e de satisfação destinada a uma pessoa depende do seu cumprimento das exigências éticas; seu amor a Deus e a consciência de ser amado por Deus são os fundamentos da segurança que adquire contra os perigos do mundo externo e do seu ambiente humano” (A QUESTÃO DE UMA WELTANSCHAUUNG, página 06). Talvez na busca por essa segurança, por motivos ligados talvez até na descrença de uma política no âmbito racional (com tantas denuncias de corrupção que se espalham nos meios de comunicação) busca-se uma segurança alicerçada no desejo coletivo do grande cristão como líder ideal. Afinal, Cristo nos ensinou a sermos verdadeiros, a sermos irmãos, a compartilharmos uns com os outros. Numa realidade na qual as pessoas cada vez mais estão em um processo de desencantamento com as estruturas políticas torna-se o terreno propício para a espera do grande Messias e, se essa possibilidade não existe, pelo menos de alguém que se aproxime ao máximo dos princípios éticos desse suposto Messias. Interessante entender aqui como essa figura, ou pelo menos as características que deverá ter, passa de alguma forma a ser transposta diretamente de bases religiosas, nem sempre verdadeiras de fato, mas ao menos aparentando sê-la. Outra prova forte disso é o número considerável de senadores e deputados, que compõe a chamada bancada evangélica, que são eleitos a partir dessa conjuntura.

Outra idéia fundamental que pode ser analisada aqui é a figura do desamparo trabalhada pelo professor Vladimir Safatle. Segundo ele os princípios éticos construídos a partir de uma fundamentação religiosa se constituem a partir da ruptura entre homem e natureza. Dessa forma “o desamparo aparece enquanto consciência da desintegração da possibilidade de apreensão do sentido como totalidade de relações” (SAFATLE, p. 19). Inclusive podemos pensar a figura do desamparo, tal como aponta Freud, vinculada ao próprio processo de modernização e a um possível fracasso de suas promessas de desenvolvimento e progresso (pensando aqui, naturalmente, a religiosidade contemporânea no Brasil e suas conseqüências no âmbito político e sociocultural). Diante de promessas não cumpridas e dos sofrimentos causados por ela parece haver contemporaneamente um retorno de um substituto tão próximo do Pai – ou seja, Deus. Esse Deus que vem nos consolar do desamparo moderno, todavia, veste-se de uma roupagem aparentemente nova – o Estado. Naturalmente recorrendo à história podemos verificar que Estado e religião estiveram, em grande parte dela, caminhando muito conjuntamente. Isso nos permite pensar: será que, de fato, vivemos a idéia de desenvolvimento na história (no sentido positivo da modernidade) ou recorremos a novas nuances e conjunturas para velhas práticas?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo isso que colocamos podemos pensar aqui uma questão fundamental da qual várias outras questões podem surgir: será que o processo de desencantamento político promovido em nossas relações sociais (desencantamento operado a partir da quebra das estruturas e princípios fundamentais que regem o Estado moderno – democracia, impessoalidade, transparência, etc.) tem produzido uma nova força que confunde político e religioso – tendo em vista que nesse último se encontraria nosso éthos primordial, tendo em vista vivermos em uma sociedade altamente religiosa? Podemos pensar aqui que a ciência (e penso o Estado racional moderno nasce com um desenvolvimento que se deu ao lado do desenvolvimento racional e científico, em contraposição ao religiosidade e a nobreza) não cumpriu, pelo menos na sociedade brasileira (para nos delimitarmos geograficamente e historicamente) suas promessas de emancipação social. Encontramo-nos aqui sob a perspectiva daquilo que o professor Vladimir chama de modernidade bloqueada. A visão científica do mundo não se desenvolve de fato na realidade política e social que vivemos. A chama das luzes foi ofuscada e mesmo apagada muitas vezes pelas relações de poder que aí se configuraram e não levaram em conta princípios como da justiça e da igualdade. Como o próprio Freud deixa claro a idéia de modernidade fornecida pela ciência não chega a vida social. Permanece enquanto promessa não cumprida. Se essa “emancipação racional” não foi possível, todavia, é interessante compreendermos como ela tem sido ressignificada em nossa sociedade e, em especial, em nossas relações políticas.

Outro fato que o professor  Vladimir nos evoca a pensar, e que está ligado a questão acima, é que vivemos numa sociedade que se auto representa de forma catastrófica – as luzes iluministas, hoje mais do que nunca, parecem hoje estar se apagando. Assuntos como violência, drogas e corrupção parecem dominar os assuntos cotidianos e são acompanhados geralmente por uma falta de perspectivas terrenas para resolvê-los. Desse modo, entra aqui a figura transcendental: só Deus para resolver isso, dirá o cidadão comum dentro do ônibus ou na fila do supermercado. A depressão e o pânico coletivo vão aos poucos se enraizando na vida pessoas próximas a nós, isso quando não se enraízam em nós mesmos. Algumas soluções começam a apontar, entre elas os produtos da indústria farmacêutica – que não vai as causas, mas alivia os sintomas – e a busca cada vez mais intensa pelo transcendente, caminho que pode apontar para a felicidade eterna, mesmo que, como dirá alguns críticos, sirva apenas de anestésico para aliviar ou nos fazer esquecer do sofrimento cotidiano que dói tanto em nosso ser. Por isso ao pensarmos o jogo político que está há algum tempo se configurando em nossa sociedade não podemos pensá-lo separado de toda articulação que ele tem com questões culturais, históricas, psíquicas ou mesmo ontológicas. Se a psicanálise não nasce dissociada dos laços sociais – que Freud sempre deu grande importância em suas análises – devemos pensar como esses mesmos laços tem sido ressignificados em nossas relações, seja pelas novas demandas que são trazidas, seja pelas demandas não cumpridas e que acabam, pela própria necessidade de segurança psíquica e ontológica que temos, sendo substituídas por outras instancias – a política pela religião, por exemplo, criando muitas vezes uma realidade confusa que deve ser compreendida em toda sua complexidade.

REFERÊNCIAS

ADORNO. Teoria Freudiana e o padrão da propaganda fascista.

FREUD, SIGMUND. PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU.

 _______________. A QUESTÃO DE UMA WELTANSCHAUUNG.
SAFATLE, VLADIMIR. APOSTILA DO MÓDULO: FREUD COMO TEÓRICO DA MODERNIDADE.



Um pastor como ‘tábua da salvação’ da contingência do desamparado

Um pastor como ‘tábua da salvação’ da contingência do desamparado


Trabalho na modalidade acadêmica com vistas à obtenção de nota para efeito de avaliação final da disciplina “Freud como teórico da modernidade bloqueada”, Professor Vladimir Safatle, do curso “Filosofia e Psicanálise” da UFES.

Aluna: Melissa Brandão Pretralonga

O caso analisado refere-se ao histórico público de um pastor evangélico atuante no Rio de Janeiro, da Igreja Assembléia de Deus dos Últimos Dias, chamado pastor Marcos Pereira, alvo de reportagens da TV aberta e de jornais de circulação nacional, citados ao longo do texto e referenciados ao final do trabalho, no capítulo 4 - Referência biográfica.

O cerne da análise será a liderança e o fascínio exercidos pelo pastor em relação às massas a que se dirige: presos rebelados em presídios e delegacias, pessoas em conflito com a Lei: traficantes de drogas e seus cúmplices das comunidades cariocas de baixa renda (vulgarmente conhecidos como ‘morros cariocas’), freqüentadores de festas populares descritas como bailes funk que ocorrem nas comunidades cariocas.

Segundo as fontes consultadas para compor o trabalho, o pastor Marcos Pereira exerce um tipo peculiar de liderança: ele consegue a façanha de acalmar presos rebelados, converter criminosos a cristãos fiéis de sua igreja, mobilizar o trabalho de ex-criminosos na recuperação de outros cidadãos, o livre acesso às comunidades dominadas pelo poder dos traficantes (o crime organizado), a interrupção de bailes funk para pregar a Palavra de Deus, interromper julgamentos efetuados pelos criminosos, em regime de Tribunais de Exceção, além de tirar as pessoas do tráfico, consumo de drogas e do crime.

O termo peculiar foi utilizado neste trabalho para destacar a notória liderança exercida pelo pastor na medida em que suas ações e resultados obtidos, segundo consta nas reportagens consultadas, vão além do papel religioso e social da profissão, pois atuam na contingência de homens que, em situações cotidianas, não buscariam por amparo religioso e muito menos social.

Em linhas gerais, as reportagens consultadas dão conta da forma de agir do pastor: ele tem acesso livre a regiões consideradas proibidas pelo bom senso de serem freqüentadas por qualquer estranho ou até mesmo da polícia, as temidas ‘bocas de fumo’ das comunidades cariocas, além dos locais já citados (presídios, delegacias, etc.). Segundo consta, o pastor desfruta de popularidade entre os criminosos pelo seu trabalho de campo e também pelos resultados já alcançados.

Há também relatos de que o pastor promove exorcismos para livrar as pessoas dos espíritos do mal, que, segundo a fala do próprio pastor, são responsáveis pelos atos criminosos das pessoas. As conversões e até os exorcismos são filmados e transformados em DVDs, que são comercializados com o objetivo de, segundo o site do pastor, sustentar a obra de purificação de almas. Além da igreja, a obra inclui uma fazenda de recuperação de dependentes químicos, que segundo o discurso do pastor, salvou centenas de pessoas que haviam sido condenadas [à morte] pelo tráfico e que o Rio de Janeiro estaria muito pior se não fosse pela ação do pastor na recuperação de criminosos.

As situações classificadas anteriormente como tribunais de exceção referem-se ao tribunal do tráfico, responsável por eliminar os ratos de favela, expressão utilizada para denominar os criminosos que agem em desfavor da comunidade em que vivem, ao praticarem crimes contra a população local (como furtos e roubos), ou seja: o poder constituído do crime organizado convive bem com os criminosos que agem na sociedade (exclusivamente fora dos limites geográficos e sociais das favelas), mas não perdoam crimes em seus domínios. Além dos ratos de favela, os X9, expressão que significa delator: aquele que fornece aos traficantes rivais ou à polícia informações sobre os criminosos locais e suas ações, também costumam pagar com a vida pelo crime de delação nos julgamentos efetuados pelos tribunais de exceção. A presença e ação do pastor em tais situações costumam ser, além de bem sucedida, pontuais e até mesmo solicitadas pelos condenados. Seu método consiste em comparecer ao local em companhia de seus fiéis e interceder em favor dos réus, após a persuasão (exatamente nestes termos, pois não há intervenção da polícia ou de qualquer tipo de violência, apenas os argumentos do pastor) dos traficantes responsáveis pelas execuções. Segundo consta, os moradores são responsáveis pelas denúncias efetuadas diretamente ao pastor, por telefone, sobre a instituição dos tribunais do tráfico. Situação semelhante a descrita em relação a ação do pastor nas rebeliões em presídios e delegacias: num dos casos há o registro de que os presos rebelados, após um saldo de mais de 30 mortes, exigem a presença do pastor para negociar a rendição e o sucesso de sua atuação no controle da rebelião em poucas horas de conversa com os rebelados.

Nos bailes funk a ação do pastor é ainda mais peculiar: nestes locais, o pastor circula entre os freqüentadores (jovens, traficantes fortemente armados, crianças, garotas em trajes provocantes, todos envolvidos pela música de letras que fazem apologia ao sexo livre, à vida social das favelas, ao poder do crime organizado e à violência, entre outros temas nada líricos), sobe ao palco e solicita a interrupção da música, começa a pregar a palavra de Deus, entoa cânticos evangélicos e ocorre o fenômeno mais sui generis de todos os outros descritos: a massa aceita a interrupção e passa da sensualidade e vulgaridade da dança do funk para a passividade e docilidade do embalo provocado pelos cânticos. Mais do que isso, ocorre uma espécie de transe coletivo aonde os freqüentadores chegam a desmaiar, um a um, numa demonstração efetiva do poder exercido pelo pastor através de seus gritos de aleluia, glória a Deus, citações de passagens bíblicas e repetição dos refrões das músicas cristãs, cantadas pela equipe de fiéis do pastor que também sobe ao palco para compor o espetáculo.

O objetivo do trabalho está na compreensão do fenômeno da liderança de massas sob a luz da teoria freudiana quando trata da teoria social. É importante deixar claro que não compõe o objetivo uma apologia ao evangelismo assim como a crítica ao fenômeno religioso da conversão evangélica, apesar de ser protagonista do caso analisado um pastor evangélico e seus métodos.

A relevância da análise do caso está diretamente associada à importância da compreensão do fenômeno social do surgimento de figuras superegóicas capazes de “reduzir o político à mobilização libidinal do medo, do desamparo e de demandas fantasmáticas de segurança”:

(...) o pensamento de Sigmund Freud pode ainda dar conta de fenômenos sociais e políticos importantes para a compreensão da contemporaneidade. Freud fornece, sobretudo, uma chave para entendermos por que nossas sociedades modernas estão sempre às voltas com elementos regressivos. Ele nos demonstra como os riscos às nossas sociedades não vêm de fora, mas de dentro delas mesmas. (SAFATLE, 2010, p.54)

1. Visão teórica

Torna-se necessário classificar alguns atores do caso analisado à luz das expressões utilizadas por Freud na obra ‘Psicologia das massas e análise do eu’ analisada por SAFATLE, 2010.

O ambiente onde se desenvolve a trama religiosa são as comunidades periféricas (favelas), cujo clima é volátil principalmente pela situação de contingência dos seus moradores, cidadãos que vivem à margem do poder e constituem a base da pirâmide econômica do capitalismo: trabalhadores não especializados, proletários, operários e componentes do mercado informal, alem daqueles que desenvolvem suas ações profissionais a serviço do crime organizado, constituindo-se assim como criminosos, não no aspecto preconceituoso do termo, mas por estarem em conflito com a lei. Assim, temos aqui o cenário do desamparo social o medo da violência (os trabalhadores temem a violência do crime organizado, os criminosos temem as facções rivais, os moradores em geral temem a violência policial), desta forma, podemos inferir que este cenário se aproxima do que SAFATLE (2010 p. 43) classifica como demanda fantasmática de segurança.

No aspecto social, podemos classificar como desamparo a ausência ou mesmo ineficácia de políticas públicas e sociais de assistência efetiva (por infra-estrutura básica, como água encanada, educação e saúde de qualidade, políticas de segurança), além disso o desamparo pela situação de exclusão social, principalmente nos casos dos criminosos encarcerados, que se encontram alijados da sociedade, da convivência afetiva-familiar-conjugal, portanto em situação de demanda de amor.

Podemos classificar o pastor como uma figura de autoridade dotada de poder, que não é produto da força ou da coerção, mas como SAFATLE (2010 p. 23) esclarece “todo vínculo a autoridade é baseado sob alguma forma de demanda de amor e reconhecimento; ele nunca é simplesmente o resultado de alguma coerção”, ou seja, o pastor representa muito bem o papel de autoridade quando se coloca ao lado daqueles que são discriminados e temidos pela sociedade, se propõe a curá-los, não só aos criminosos condenados, mas também na defesa daqueles criminosos que se encontram sob intensa tortura e sentenciados de morte pelo tribunal do tráfico.

Para completar a classificação dos atores do caso à luz da teoria freudiana, podemos ainda utilizar o conceito ‘figuras marcadas pela onipotência’, descritas por SAFATLE (2010 p. 45) cuja característica podemos associar aos traficantes que são o alvo do pastor: nestes a onipotência seria produto do poder paralelo constituído pelo crime organizado.

Outra classificação relevante que podemos propor é sobre o termo citado por Safatle (...) “[a soberania] não é fundadora de lei e regras. Ela é antes a certeza de que leis e regras poderão ser suspensas por um princípio de soberania. “Dessa forma, os líderes fascistas permitiriam a manifestação do ressentimento contra uma Lei que, em larga medida, fora compreendida como a repressão exigida pelo mais forte” SAFATLE (2010 p. 45). As regras e a lei são suspensas ou pelo menos desobedecidas pelo pastor Marcos Pereira em diversas situações, a contar: quando ele utiliza um baile funk para pregar, certamente que presencia o tráfico, a presença de crianças e outros delitos, se tornando cúmplice de diversos crimes que na qualidade de cidadão teria obrigação de denunciar (princípio previsto na Legislação Brasileira) e não o faz. Assim como presencia crimes de tortura tanto nas delegacias, presídios quanto nos tribunais do tráfico, e que também não denuncia. Além disso, podemos citar a suspensão da lei do crime, que prevê que todo estranho que presencie a ação do crime organizado seja executado, mas o pastor continua vivo, imune à punição do sistema formal de Leis assim como do sistema de leis imposto pelo crime.

Também podemos utilizar o conceito de ressentimento contra a lei do mais forte, citada por Safatle que podemos, por analogia, associar aos criminosos em questão: a Lei formal não sobe os morros das favelas, mas o crime organizado institui um sistema de leis e inclusive institui um ‘tribunal de exceção’ já citado anteriormente, que tem uma força infinitamente maior do que o sistema formal. Ou seja, a lei do mais forte, do qual podemos inferir ser a Lei do Estado, mais forte que seu cidadão, a repressão do poder policial, capaz de produzir o ressentimento naqueles que estão sujeitos a esta força e instituir um sistema mais repressivo ainda. Aqui também encontramos eco nas considerações de Safatle: “Esse ressentimento deve vir paradoxalmente associado à fascinação pela ordem, pela rigidez, pela segurança. Queremos ser o veículo da lei, mas que seu peso repressivo não caia em nossos ombros” SAFATLE (2010 p. 45). Encontramos a aproximação com o cenário analisado: o crime organizado possui suas próprias leis, condena severamente aqueles que a desobedecem assim como são inflexíveis:

Através de sua teoria do desamparo, Freud insistira em que as sociedades modernas estariam abertas ao retorno de figuras superegóicas de autoridade vindas na linha direta do mito do pai primevo ou que permitem a identificação com tais tipos ideais, que prometem a encenação de um lugar de excepcionalidade no qual a transgressão da lei é possível. SAFATLE (2010 p. 43-4). (sem grifo no original).



Ainda analisando os efeitos da liderança do pastor, encontramos a situação mais bizarra dentre as descritas pelos jornalistas e vídeos consultados, que é o fenômeno da hipnose ou comoção coletiva, onde podemos fazer uma analogia direta ao texto de Freud “Psicologia das massas e análise do eu”, quando este descreve o fenômeno do contágio e sugestionabilidade (capítulo II) ao classificar todo grupo como “extremamente crédulo e aberto à influência”, o que explicaria o efeito em cadeia do transe e desmaio das pessoas ao ouvirem a pregação do pastor. Freud, no mesmo capítulo, também explica a excitação do grupo promovida pelo pastor: “Inclinado como é a todos os extremos, um grupo só pode ser excitado por um estímulo excessivo. Quem quer que deseje produzir efeito sobre ele, não necessita de nenhuma ordem lógica em seus argumentos; deve pintar nas cores mais fortes, deve exagerar e repetir a mesma coisa diversas vezes.” Podemos enxergar tal efeito quando o pastor repete para o público, no baile funk, a mesma coisa: aleluia e glória a Deus.

Assim, podemos colorir o quadro com cores fortes, à moda Frida Kahlo, onde teremos nas tonalidades acentuadamente fúcsia um sujeito central que construiu sua fama e popularidade de forma estratégica, inicialmente em tons pastéis, com foco naqueles indivíduos relegados ao esquecimento (usuários de drogas e bandidos), coloridos em tons acinzentados, em seu próprio habitat (sarjetas e bocas de fumo), acirradamente enegrecidos, conferindo ao nosso protagonista ares de coragem e inovação, uma vez que é pouco comum a ação de religiosos em tais locais. Ainda temos, em nossa pintura de contornos bem nítidos, a construção de um método (que se consolidou em receita de sucesso) em tons alaranjadamente tímidos, de exercício de influência e poder sobre indivíduos em conflito com os princípios da lei formal, baseado na coragem, inovação e astúcia de um líder que ousa, com palavras de fé e uma acentuada dose de senso de oportunidade, arbitrar em cenário draconiano, em favor dos condenados. Acentuando os tímidos alaranjados que colorem o método do pastor, podemos concluir nossa pintura em tons agora berrantes, com cenas públicas de espetáculo, a condecoração do protagonista em herói público, defensor dos fracos e oprimidos (os desamparados), capaz até mesmo de conter a fúria de presos rebelados e domar multidões em êxtase, ao som de repetidas palavras de ordem: Hei! [brado em forma de tiro], tá [sic] amarrado em nome de Jesus (para salvar dos tribunais de exceção os réus), Aleluia e Glória a Deus (para conter a fúria da massa rebelada e instituir o êxtase religioso em indivíduos minimamente propensos à religiosidade).

Podemos nos valer do conceito freudiano de identificação para arrematar o contraste de cores da nossa pintura: os indivíduos que se submetem ao poder do pastor experimentam a sensação de se identificarem com este líder, pois assim ele se constituiu, como um deles, mas investido do poder de Deus, o que contribuiria para ampliar nossa compreensão do fenômeno da liderança que aquele desfruta entre seus simpatizantes e seguidores. Aqui está nossa obra de arte naif, um líder e seus liderados, um império religioso que se sustenta pela fama adquirida e sustentada pela comercialização em DVD dos espetáculos de conversão.

Para finalizar, podemos inferir que o poder e a autoridade do pastor Marcos Pereira podem ser analisado à luz da teoria freudiana sem prejuízo à compreensão, pois nela encontramos elementos que desmistificam o fascínio exercido pelo pastor nas massas, por se tratar de um grupo, o que talvez não fosse possível observar em indivíduos isoladamente.

Também tivemos a oportunidade de analisar outros aspectos da teoria social freudiana, como a necessidade que as massas têm de um líder que lhes preencha com amor o desamparo e suas contingências.

Além disso, foi possível compreender como é volátil o narcisismo, que se desloca do eu e passa a compor o ideal do mesmo eu personificado pelo líder, por aquele que é capaz de dominar uma multidão sem utilizar qualquer tipo de violência ou coerção, mas apenas na mobilização libidinal do medo e do desamparo.

2. Proposições finais

Seria um líder como o pastor, capaz de mobilizar as massas para uma tomada de poder da burguesia? Explico: um grupo moderno, como os fiéis de uma igreja, poderia ser convencido a invadir pela força propriedades privadas e se apoderar de bens particulares?

Supondo que a resposta à questão acima fosse afirmativa, que tipo de poder seria capaz de intervir? A intervenção seria pelo uso da força? Ao utilizar a força bélica, por exemplo, e dispersar um grupo coeso, seus membros isolados ficariam enfraquecidos? Ou seriam capazes de se reorganizarem para manter o status quo?

Diante do progresso da tecnologia (convém explicitar que a expressão não é uma referência à “visão cientifica do mundo” de Freud, é apenas uma inferência do senso comum) poderíamos seguramente concluir que o homem, móvel das evoluções científicas e tecnológicas, evoluiu do seu estado selvagem para o atual estado de civilização. Analisar cenários como o descrito neste trabalho assim como outras situações de barbárie da atualidade (holocausto, xenofobia, extremismos religiosos, etc.), compromete a conclusão simplista de evolução e permite inferir que o homem cercou-se de progresso e modernidade, mas permanece essencialmente subproduto das pulsões instintuais, assim como o era antes mesmo de ceder à civilização?



3. Referências Bibliográficas

SAFATLE, Vladimir. Freud como teórico da modernidade bloqueada. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2010.

acesso em setembro e outubro de 2010.

acesso em 12/10/10

acesso em 12/10/10

acesso em 12/10/10

acesso em 12/10/10

acesso em 12/10/10 acesso em 12/10/10



N° Edição: 2099
29.Jan.10 - 21:00
consultado em 04.Out.10

acesso em 12/10/10

acesso em 12/10/10


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Metodologia EAD em verso:

Os sofistas e seu entendimento
Fazendo a sua conferência.
Na difusão do conhecimento,
Demonstrando muita eficiência.

Sócrates, grande maestria
Com seu jeito e a “maiêutica”,
Dialogava todo dia,
Solucionando a problemática.

Lacan e o seu inconsciente.
A origem do ensino, a linguagem.
Tem o conhecimento presente.
No cartel é feito esta abordagem.

Jacotot e sua emancipação
Para a capacidade intelectual,
Não há necessidade de explicação.
Método útil no ensino-aprendizagem atual.

EAD, ensino de inclusão,
Sem o professor transmissor.
Da aprendizagem, a gestão.
Fazendo do aprendiz o autor.

Francisco Sepe da Costa

Rancière – Emancipando em EAD

Resumo: Rancière baseia-se na experiência do professor Joseph Jacotot em que “a palavra do mestre emudece a matéria ensinada” indicando a educação emancipadora em que o aluno toma ciência da sua capacidade intelectual, aprendendo pela tensão da sua vontade e pela própria inteligência. É essa a proposta de ensino e aprendizagem que a modalidade em EAD tem que alcançar.

Palavras-Chave: emancipação, desejo de aprender, EAD.

Link para o Texto integral: http://www.megaupload.com/?d=92GAHXSU